29 de abr. de 2008

A NOITE GLACIAL E O MAR VOADOR

Não basta abrir os olhos para ver além da face de vidro, caminhar pelos planos não é o bastante, perguntar não resolve a questão, argumentos são insuficientes para se ganhar o coração. O vizinho nunca serei eu, o ateu não sabe mais quem é alguém, os relógios não estão certos, mas continuam correndo, os escuros tornam-se mais atraentes quando sorriem, as almas pedem para serem esquecidas, não querem incomodar. Os astros se organizam no céu, no espaço, no infinito, na vida, no destino, eles mexem em tudo e não modificam nada.

Os dias não conhecem o caminho de volta, na noite seguinte você esquecerá tudo de novo? Ensine as crianças a subir nas árvores, prepare-se para correr, acredite que qualquer um pode morrer, há raízes por todos os lados, algarismos nos sonhos, exatidão na união. A luz do sol petrifica os motivos, eu dou bom dia de madrugada, tudo acabou terminando durante o carnaval, um de nós quis ser os dois, ninguém conseguiu ser um sequer. O complicado anda entorpecendo, paralisando desejos, é o mais novo ditador de uma nação lendária.

O vento levará os balões daqui até aí, se eles chegarem não haverá por que ficar parado, deixar o abstrato de lado, o telefone vai parar no lago e as labaredas jantarão dinheiro. Você está falando mas eu só ouço a minha voz, eu estou jurando mas você não está sabendo... Vamos estender o mapa sobre a mesa nova, curar nossa cegueira, definir as rotas, criar os rumos, imaginar o caminho, levantar da cama e andar juntos até cansarmos, apenas para podermos voltar juntos de onde viemos. Temos que parar de olhar ao redor, de tirar o sentido das coisas que falamos e escrevemos, essa foi a última vez. Nosso amanhã terá sol e chuva, são distantes e diferentes, mas estarão unidos.

27 de abr. de 2008

IMAGENS

O ônibus parou lentamente, pai e filha desceram na parada de uma pequena praça, traziam consigo apenas algumas malas e expectativas. A imagem do ônibus levantando poeira e se afastando jamais sairá da memória de Miguel, as flores e os balanços amarelos daquela singela e acolhedora praça encantarão para sempre a pequena Bárbara. O pai era um homem esbelto, de cabelos escuros desarrumados e olhar incisivo, a filha parecia um menino, enfiada em calças jeans surradas e usando um boné vermelho colocado de forma displiscente. Estavam em uma nova cidade, os olhos de Bárbara brilhavam, ela queria saber tudo, Miguel pensava no que iam fazer, desejava saber todas as respostas, para todos os problemas.

O sol das duas da tarde estava forte, e os dois procuravam uma sombra. Ao ver o suor escorrer pelo rosto de seu pai, Bárbara tirou o boné e ofereceu-o, Miguel sorriu, abaixou-se, arrumou os curtos cabelos da filha e beijou-a, enquanto recolocava o boné em sua cabeça. Pai e filha não demoraram muito para encontrar um banco protegido por dois imponentes ipês. O banco ficava de frente para a estátua de um importante general, que lutou pelo império brasileiro, para Bárbara era um homem esquisito usando roupas feias, para Miguel, alguém que ele jamais conseguiria ser. A filha pediu ao pai quem era o homem montado no cavalo, ele respondeu que foi um grande homem, que defendeu a liberdade, e que existiam mais desses hoje em dia, só que não ganhavam mais estátuas.

Miguel retirou sua preciosa câmera fotográfica e preparou-a para sua filha. Gostava de vê-la tendo contato com a fotografia, acreditava que ela seria uma fotógrafa muito melhor do que ele. Alguns minutos depois entregou a nikon nas mãos magrinhas de Bárbara e pediu a ela que fotografasse o herói que ali estava. Sem pestanejar, a pequena menina empunhou a máquina, fechou o olho, umedeceu os lábios com a língua, procurou o melhor ângulo e fotografou com a perfeição de uma criança. Bárbara acabou se tornando uma grande fotógrafa, conseguiu algumas das melhores imagens da guerra do golfo, mas a foto que mais gosta é uma de seu pai, de jaqueta marrom e calças empoeiradas, tirada em uma pequena praça de balanços amarelos.