tag:blogger.com,1999:blog-15442906328630295612024-03-08T01:00:27.923-03:00ÓrbitasÓrbitas de planetas, suas trajetórias. Orbitas que os pensamentos realizam, seus sentidos. Órbitas, cavidades do crânio onde se encontram os olhos, a visão, percepção do mundoMarcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.comBlogger34125tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-8585892657945065642011-11-08T00:26:00.013-02:002011-11-08T10:01:06.884-02:00QUAL É A FREQUÊNCIA, R.E.M.?<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br />
</span><br />
<span style="font-family: 'Times New Roman', serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"> </span><span style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif; line-height: 150%;">Houve um tempo - fora do tempo - em que pude ouvir a música do mundo. Começou como um murmúrio, distante, quase inaudível. Transformou-se na voz mais agradável do meu rádio. Foi um monstro que me fez companhia. Conseguiu ser revelação, mesmo após tantos anos. De alguma forma me entenderam, me ensinaram a ouvir as paisagens, fizeram as pessoas soar. Poderia ser apenas alguns instrumentos invisíveis, mas era mais do que isso. As vozes, sem rostos, e vindas de qualquer lugar, eram marcantes, mas havia mais. As estrofes falavam por mim, os refrões diziam algo sobre todos, sobre um, sobre mim.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"><span style="line-height: 150%;"> Os reconheci, ganharam cara no constante giro da moeda. </span><span class="Apple-style-span">Passaram a comentar sobre meus pensamentos. Não tinham medo de me desapontar. Quanto maior era a dúvida, melhores eram suas respostas. Quando parei de duvidar, disseram que eu havia perdido minha religião. Enquanto eu temia cair sob o céu, eles pediam para que o céu não caísse. No final de cada dia, quando não havia qualquer amigo, e nenhum amor, as melodias irretocáveis estavam lá. Em meio ao que sempre parecia ser o fim do mundo, eles eram a alternativa, eram os alternativos. Aquelas posições, tanto dos dedos, quanto políticas, estavam prontas para inspirar quem prestasse atenção.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"> Tudo bem, nem sempre o assunto era sério. Com entonação triste, celebraram uma estranha e radiante felicidade. Poucas vezes foi assim. Na verdade, a compreensão não costumava ser automática para as pessoas. Escreveram isso na capa, mas aquelas faixas foram feitas para romper a barreira do óbvio. Quem não sabe que todos ficam tristes nessa vida? Todo mundo sabe que o homem já pisou na lua. Claro, todos sabem. Muitos comentam sobre esses assuntos, mas são poucos que conseguem transformá-los em arte. Eles conseguiram isso com cordas, sopros, baquetas e coração, e eu estava lá para ouvir.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Trebuchet MS', sans-serif;"> Estive com eles incontáveis dias, e eles estiveram comigo uma única noite. Noite única. Eu estava cercado de parecidos, estavam todos comigo. Os instrumentos estavam bem visíveis, pude ver a origem das vozes, senti as letras serem atiradas sobre mim. Fiz parte do coro, do som, do show, me tornei música. Aquela noite eu chorei e não soube dizer porque. Desde então, as voltas que o planeta faz ao redor do sol nunca mais foram as mesmas. Depois do impacto do colapso os instrumentos foram abandonados, as vozes se calaram, as letras não formarão mais estrofes ou refrões. Eles resolveram emudecer e voltar para onde pertencem. Deixaram-nos os ecos de tudo o que fizeram. Esses poderemos ouvir sempre que quisermos, basta nos cobrirmos de nostalgia e saudade.</span></div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-45223465031333457242011-08-18T18:19:00.004-03:002011-08-25T11:54:52.649-03:00ATRÁS DOS OLHOS<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Vivo procurando, morro tentando encontrar. Certo dia, pensei ter achado debaixo das rugas de um senhor que lia jornal na praça. Engano meu, pedi perdão por ter projetado a luz do meu olhar sobre os sulcos de sua pele. Vi todo o tempo da minha vida, multiplicado pelo número de vezes que eu gostaria de viver, agarrado àquele rosto. Fardo pesado, derme sobrecarregada, não era à toa que deslizava em direção ao solo. Não estava lá, talvez teria estado, algumas décadas atrás. Carrego minha lupa de íris azul para todo o canto. Confiro meu gravador dezenas de vezes antes de sair de casa, às vezes ele ouve, mas não grava. Creio possuir apenas esses instrumentos, mesmo sabendo que existem erros que não admiro, e outros que não admito.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Noites atrás achei, mas apenas no sentido de não ter certeza. Parecia estar entrelaçado nos fios dourados do cabelo de uma perdida. Pude sentir o cheiro da descoberta naqueles lábios. Precipitação minha. No início do dia, não havia mais ninguém. Descobri que existem outros iguais a mim, que também procuram. Fui encontrado por alguém que buscava certo rumo. Ela queria uma direção, mas topou com um sentido. Ao repetir alguns enganos concluí que meu pálido termômetro não era defeituoso. Sempre achei estranho, toda vez que era abraçado, ele demorava poucos segundos para indicar uma temperatura absurda. Era só sensibilidade.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Naquela tarde, tive a breve certeza de ter encontrado nos passos de dança de um maluco. Movimentos desajeitados, insanos, era o caos fazendo uma apresentação de luxo. Os dedos da mão direita, em riste, eram a legenda da concentração. A mão esquerda, inquieta, socava o ar e o próprio corpo ao qual estava presa. Acomodei-me no mais alto dos degraus da ingenuidade para assistir aquela coreografia condenada. Aos rodopios, o dançarino foi se aproximando, até parar na minha frente. Pulverizou minha ingenuidade e me fez cair a seus pés, aplaudindo. Mas não estava lá. Quase me fiz acreditar que era, apenas por não ter compreendido a origem da emoção. Lembrei do meu imã, preso no fundo do bolso da camisa. Não é sempre que ele atrai metais.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">Era uma madrugada qualquer, jurei ter achado nas ruas desertas da pacata cidade.Todos aqueles indivíduos compartilhando suas solidões únicas nas calçadas. A grandeza escondida no interior das casas de dois cômodos. O horário das organizações e limpezas nunca se repetia. O coração do lugar era um labirinto de caminhos há muito conhecidos. Estava tudo na medida certa, tive tanta certeza de ter encontrado que até entortei meu compasso. Achei que não precisaria mais esquadrinhar nada. Por muito tempo chamei de minha aquela cidade, mas recentemente ela confessou ser livre. Mais um engano para a coleção. Não era lá que eu estava. Não foi lá que me encontrei.</div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-23788709046947116402011-06-09T17:10:00.011-03:002011-08-11T14:33:54.852-03:00VIDA DE PORCELANA<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br />
</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;">Assim que nascera fora posta na estante. Exposta a todo e qualquer olhar, alvo de julgamentos e projeções. Sempre se saiu bem, a pintura é bem feita, os traços caprichados. É uma boneca de porcelana, mesmo não aceitando ser. Brinquedo não enruga com o passar dos anos, mas perde a beleza com o uso. Brinquedo não tem serventia nas mãos de quem não sabe brincar. Disso ela ainda não sabe. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;">Se a vida se resume ao que se consegue ver ela teve sorte, pois fora colocada em uma prateleira mais alta. Lá de cima consegue olhar para baixo. Conforta-se ao saber que há níveis inferiores ao dela. Há tantos brinquedos debaixo de seus pés. Nunca conseguirão chegar ao topo. Mesmo sendo brinquedo, consegue abrir a boca. Ela fala e nunca é pouco. Não se sabe de onde surgem as palavras, ou porque são ditas. Os outros brinquedos não sabem ouvir. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;">É adornada com vestidos, sapatos e jóias. Tudo bonito e caro. Gastam fortunas tentando transformá-la em gente. Mas ela nunca conseguiu andar com as próprias pernas. As vestimentas são trocadas, a beleza apenas muda de ângulo, mas sua posição sempre foi a mesma. Estática na estante, vivendo de acordo com o protocolo, um manual de instruções escrito às pressas. <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 150%;">Desde que nasceu, tem ilusões de movimento. Tem certeza de estar indo aonde quer. É intrigante fitar os olhos de uma boneca maquiada e perceber que ela pensa estar avançando. Gepetto poderia existir, para consertar essa injustiça. Mas não há velho com poderes mágicos, assim como não há boneca que queira deixar de ser boneca. Existem níveis superiores a serem alcançados. Barbies não precisam escalar. Basta agradarem as mãos que as manipulam.</span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="line-height: 24px;">Há tantas vidas de porcelana. Bonecas não deixam de ser gente pelo desejo alheio. Tornam-se objetos por vontade própria. Maquiam com esmero suas facetas. Escondem com elegância suas personalidades. Não perguntam aos cegos o que acham delas. Transformam o mundo em mero espectador da estante onde se encontram. Às vezes, é difícil saber se realmente saímos da loja de brinquedos.</span></div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-18634856895449323302010-12-30T15:49:00.002-02:002010-12-30T15:57:49.474-02:00NADA SINÉDOQUE<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-align: justify;">Um homem enforcado diz para eu não me preocupar. Enquanto engole sapos, uma senhora pede para que não me conforme. Uma criança desacordada exige que me dedique mais. Uma mulher presa ao passado tenta me confortar dizendo que amanhã tudo estará mudado. Em uníssono, pessoas monocromáticas afirmam que ninguém é igual a ninguém. Um gato cinza aparece no meio da noite para lembrar que tenho apenas uma vida. Lá longe, uma singela lembrança para de tecer o futuro e me questiona sobre o presente. Minha sombra prova que não estou só, minha mente jura que sou são, meu coração promete que continuará apenas batendo daqui para frente. O vento me aconselha a seguir uma direção concreta. As imponentes montanhas dessa serra querem que eu não duvide dos meus passos. Esse chão empoeirado me alerta para os perigos da submissão. Já ficou escuro o dia de hoje, mas não parece ter passado tanto tempo assim... Como acreditar nos relógios se eles, mais cedo ou mais tarde, mentirão uns para os outros?</div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-16232098835103931532010-11-25T23:32:00.010-02:002010-12-17T23:27:23.072-02:00MUNDO VAGABUNDO<div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;"><br />Siga mundo vagabundo! Vá em frente mesmo que atrás venha gente. Continue com esses dentes tortos, mastigando debilmente tudo que te dizem e fazem, distribuindo sorrisos horripilantes para os que te encaram. És vagabundo por obrigação, pois te constroem noite e dia sem reclamar, não precisas fazer nada, não te dão qualquer opção. Permaneça esperando que tentem te reinventar ou te destruir, existe gente capaz, acredite nas pessoas, mesmo que elas não acreditem em ti.<br />Para ti tudo é fácil mundo vagabundo, na verdade nem deverias existir, poderias ser apenas um conceito, uma reles nomenclatura, poderias significar muito menos. Vives vagando por aí feito um maltrapilho sem eira nem beira, recebendo culpas e glórias sem ter feito coisa alguma. Tu abrigas muitos debaixo dos teus paradigmas, e também exclui aqueles que não seguem teus caprichos. Entendas mundo vagabundo, és caótico e genial nas grandes cidades, limpo e reacionário nos campos, és complexo nas grandes mentes e entediante nas pequenas.<br />Devem ter te dado esse nome, mundo, por rimar com imundo, ou quem sabe profundo, oriundo... De onde? Tu não nasceste nem morreste, só está por aí, para aqueles que te querem e te precisam. Vais assistir a partida de todos sem dizer uma palavra, não tens a menor consideração pelos que te deixam. Tu não tens, como nós, uma vida para viver ou perder, e é por isso que não te invejo mundo, pois és apenas o cenário de nossas grandiosas vidas.</div><span style=";font-family:';font-size:12;" ></span>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-32699458906162856452010-03-03T16:57:00.004-03:002010-03-04T10:23:48.579-03:00OUTRO, EU<div style="TEXT-ALIGN: justify"><br />Já vou deixando claro que, dessa vez, não sou eu o escritor. Outro está escolhendo as palavras, distribuindo vírgulas, atirando pontos, semeando amizade entre as frases, assim elas concordam, apesar de suas gritantes diferenças. Fica bem melhor escrito, mais claro, reto e direto, algo que deve ser útil em alguma profissão. Não sou eu mesmo, decidi não ser, tive vontade de mudar e o fiz. Foi fácil, neguei um e outro valor, resisti aos ataques do ego e barrei a vontade de ser singular. Mente quem diz que é difícil abandonar-se, pois consegui em pouco tempo, bastaram algumas observações do meio social e uma dose de força de vontade.<br />Sempre quis vestir uma porção de coisas que via os outros vestindo. Agora visto tudo isso! Um dos meus desejos era poder criticar os enganadores, esses atores da vida real, e depois pagar para ver atores de verdade na telona, sem pensar na ironia do ato. Pois agora faço sem problemas! Era desconcertante ficar pensando, raciocinando, concluindo e nada fazendo. Passado! Hoje é só ação! Perdi tempo sustentando ideais e clamando por uma indubitável ética. Hoje apenas vivo! Me sinto bem assim, joguei para o alto minhas angústias, não me preocupo mais com problemas alheios: "O que é teu não é meu, o que é meu não foi tu que deu", essa é a máxima!<br />Promovi uma mudança tão boa que até o "eu" não uso mais. Sempre vi esse tal de "eu" com desconfiança, encarava ele como um receptáculo, onde estavam entalhados meus traços físicos e de personalidade. Vazio, esse recipiente foi jogado no mundo, despertando todo o tipo de reação e reagindo de acordo com sua capacidade de assimilação e adaptação. Assim se desenvolve esse "eu", e o meu, francamente, veio com sérios defeitos. Era difícil lidar com ele, parecia não compreender as mensagens, devia ser de um modelo muito antigo o maldito. Felizmente descobri como me livrar do "eu" sem maiores problemas. O único desconforto que sinto é o de não saber quem sou às vezes... Quando isso acontece, me concentro em ser outro, e pronto! </div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-61385080625218346252010-01-26T22:45:00.005-02:002010-01-26T22:49:48.240-02:00SANGRAR<div style="text-align: justify;"><br />Um vento gelado forma marolas em uma poça de sangue que colore de forma funesta uma gasta calçada. Um homem estivera sentado naquele local por alguns instantes, tempo suficiente para deixar seu rastro, sem saber que o fazia. Ele nem mesmo havia percebido que sangrava, só sentia uma dor incômoda, constante, da qual não conseguia se livrar. Sua tentativa de aplacar tal dor foi o que acabou levando-o até aquele lugar, pois decidiu caminhar um pouco, a fim de espairecer. Na verdade queria esquecer uma porção de coisas, mesmo sabendo que não atingiria tal objetivo, pelo menos não naquela mesma tarde, quem sabe nunca conseguiria tal façanha, era nisso que pensava, era por isso que sangrava.<br />É possível ver diversas gotículas vermelhas espalhadas pela ruela que conduz para fora do simpático parque da cidade. A rua estreita e repleta de volumosas árvores foi percorrida às pressas pelo homem ferido. Ele sentiu-se ameaçado pelas pessoas que viu andando no parque, podiam querer interrogá-lo, perguntar acerca de suas roupas desajeitadas e amassadas, ou da palidez do rosto. Concluiu que fora uma péssima idéia ter ido até lá, mesmo tendo visto os patos nadando tranquilamente no lago, ou os pássaros saindo furtivamente do interior de vistosos arbustos. Aquelas cenas simples e corriqueiras acalmaram seu espírito e até abrandaram levemente seu sofrimento, mas bastou ver novamente os inquisidores olhos do ser humano para que a dor aumentasse.<br />Uma moça de semblante triste observa, intrigada, algumas manchas vermelhas em sua camisa branca. Algumas horas atrás, o homem machucado discutiu com essa mulher, que agora vê o sangue dele impregnado em sua roupa. Ele sentiu uma punhalada quando a ouviu dizer que não era culpada pelo ferimento aberto em seu peito. O homem tinha certeza, não havia ferida alguma antes disso, tudo acontecera naquele instante. Ao perceber isso, o medo tomou conta, e ele saiu correndo, sem rumo, estava confuso, pois fugia do amor de sua vida. Sua amada permaneceu imóvel, com os braços suspensos no ar, como se ainda abraçasse aquele homem ferido que se distanciava.</div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-68745651914957803902009-11-17T00:41:00.006-02:002009-11-17T00:55:13.211-02:00O HOMEM DO CABELO CURTO<div style="text-align: justify;"><br />Há um homem que nunca deixou o cabelo crescer. Sendo habitante do meu imaginário, ele me permite transcrever seus pensamentos acerca de madeixas longas: "Isso é coisa de baderneiros, relaxados, gente sem regras - Ele não se incomoda quando incluo a categoria messias em tais distinções - vagabundos e preguiçosos".<br />Vaidoso, ele mantém o cabelo sempre bem aparado, pois tem consciência que um desalinhamento capilar causaria má impressão. Este homem jamais se apresentaria sem seu paletó devidamente abotoado, sapatos de couro marrom brilhosos, calças sociais impecáveis e, claro, com os cabelos curtos cuidadosamente penteados para o lado direito, mesmo que apenas eu possa vê-lo. Símbolo de distinção, a etiqueta em pessoa, este é o homem de cabelo curto.<br />Eu já disse a ele que não ligo para tais arrumações, mas não adianta, sou ignorado e forçado a contemplar sua obsessão pela boa aparência. Como pode alguém não ter vontade de deixar o cabelo crescer uma vez na vida? Em qual calabouço tal pessoa teria trancado sua curiosidade? Sempre que me faço essas perguntas o homem do cabelo curto sai a procura de uma tesoura... Toda vez que lanço tais questões ao homem ele corta cuidadosamente alguns fios, sem dizer nenhuma palavra.<br />Ele amputa suas possibilidades sem pestanejar, deixando-as cair mansamente, sem jamais dirigir um olhar para o chão, onde elas vão se amontando há muito tempo. "Para que mudar algo correto?", me pergunta ele... "Me sinto bem estando nos conformes", esclarece ele. Eu nunca entendi o homem do cabelo curto, mesmo conhecendo-o muito bem.<br /></div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-23309286484389138202009-10-06T23:39:00.002-03:002009-10-06T23:46:27.138-03:00CALEIDOSCÓPIO EM SÉPIA<div style="text-align: justify;"><br /><div style="text-align: justify;">Certo dia, um certo homem me disse que eu era quadrado. O homem estava de fato certo, explico aos que não leram dessa forma, os tais regrados, gente necessitada de organização, se vem escrito antes é muito cedo, só se vem depois que é certo. A quadradez do sujeito, eu no caso, por acaso é fruto das explicações, como pôde ser visto anteriormente, como posteriormente poderá receber um visto. É da minha natureza explicar, o que nada mais é do que descomplicar o dito por este que vos fala. Consertar? Nem pensar! Tá tudo certo, só mal colocado. Mudar? Sou letrado, não fico calado! Por essas e aquelas o certo homem certo afirmou que eu tinha quatro lados, na hora pensei em ir morar num desses livros de matemática, correspondências para: Ensino Médio - Matemática, bairro das Figuras Geométricas, página 42. Que tipo de pessoa é quadrada? Ele poderia ter me chamado de redondo pelo menos... Mas aí ele estaria errado, e eu nem chegaria a ser quadrado. Pensando bem, os redondos só sabem rolar, e sempre pro lado afundado ainda! Depois enchem a boca, não basta ter só a pança nessa condição, para dizer que, ao menos, para algum lado vão. Eles têm muita razão... Isso deve pesar bastante. Eu, no meio de uma explicância - plural de explicações - parei para ouvir a sentença de uma sentença, sim, condenavam uma frase! A pena era horrenda: "Condenada ao esquecimento", por ser deformada, sem sentimento. Os regrados - de novo eles - julgavam, enquanto os poetas - bem aqueles - rezavam, tudo ao mesmo tempo, no templo da rima. Voltando ao que explicava eu antes: quatro lados... Um bom, um ruim, um profundo e um raso assim? Será? Preciso perguntar a um engenheiro se é possível, não quero que a casa caia depois. Tudo isso por causa de um ser correto e sua sabedoria ao quadrado. A propósito, o dia também estava certo.<br /></div></div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-82785983739644545742009-10-06T23:29:00.005-03:002009-10-06T23:38:58.689-03:00PARTE DO AR<div style="text-align: justify;"><br />Hoje você acordou diferente, teve um sonho, e nele viu o que precisava fazer, descobriu sua missão nessa vida. Você não quis me explicar, não contou nada, disse que era fantástico demais para descrever. Partiu e me deixou falando sozinho. Saiu apenas com a roupa no corpo e com a lembrança do sonho na cabeça, passos firmes, em direção a montanha mais alta do lugar.<br />A subida seria difícil, você nunca havia feito nada parecido, precisaria de muito fôlego e resistência, pois queria chegar ao topo, com certeza. Em pouco tempo uma distância enorme foi percorrida, isso não era normal, as imagens do sonho também não, tudo estava se compensando naquele momento. Aquele corpo não parecia ser o seu, o topo já estava logo ali e o cansaço não havia aparecido, a dúvida havia ficado no travesseiro, na noite anterior.<br />Finalmente você alcançou o topo, estava tudo aos seus pés, rodeando o monte, era ali que se cumpriria a visão mais espetacular do sonho. Você confiou no que viu, sentiu e ouviu, acreditou em tudo que sonhou, estendeu os braços, fechou os olhos e, com toda a paciência do mundo, esperou. Um pequeno sorriso brotou em sua face um pouco antes de uma forte lufada de vento atingí-la, era aquilo! No sonho, essa rajada de vento levava consigo todos os seus pensamentos e os espalhava pelo mundo, todos seriam contagiados por sua vontade de ver um mundo melhor.<br />Lá embaixo, correntes foram partidas, silêncios quebrados, amores recordados, perseveranças blindadas, tentativas valeram à pena, mortos descansaram em paz , vivos viveram em paz, políticas ruíram, bombas viraram pó, religiões minguaram, todos acreditaram mais em si mesmos, aceitaram que não podiam fazer tudo, acreditaram que podiam fazer muito mais, quem chorou sorriu, quem sorriu continou assim para sempre, por algumas eternidades o tempo parou.<br />Você ainda estava lá, de pé, completamente vazia, o vento havia levado tudo consigo, realmente não havia sobrado mais nada, seus lábios voltaram a se fechar dramáticamente. A missão havia sido cumprida com louvor, e o vento voltou para te buscar. Uma leve brisa soprou contínuamente sobre seu corpo que foi se esfarelando lentamente, eram partículas tão pequenas que mal podiam ser vistas, você se misturou com o ar, o oxigênio, a vida. Hoje eu consigo ouví-la assobiando durante as ventanias e tempestades, não sei o que você diz, mas sei que está bem.</div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-11009716733916514362009-06-18T18:38:00.005-03:002009-06-18T18:53:24.197-03:00TUDO COMO DEVE SER<div style="text-align: justify;"><br />Esqueci de te contar as histórias nas quais eu não acreditava, comecei muito mal. Disse-lhe quem eu realmente era, e isso, que não deveria ter sido feito, eu lembrei de fazer. Agi com você da mesma forma que agi com outras pessoas, não lembrei que era por conta desse comportamento que estava sozinho. Não lhe mostrei nenhum lugar que eu não conhecia, nem mesmo lhe contei qualquer coisa sobre a qual não tinha conhecimento, faltou impressionar. Eu não transgredi nenhuma regra, não planejei os momentos para lhe fazer rir ou chorar, não fui nada organizado e objetivo.<br />Fui muito antigo tentando ser novo, escrevi versos pobres e os entreguei de qualquer maneira, arquitetei surpresas previsíveis. Minhas frases nunca terminavam, ou começavam já pelo final, eu sempre fechava os olhos um pouco antes dos seus mais belos olhares, disso eu tenho certeza. Fui mundano quando não se pode ser, não fiz nada demais, fiquei procurando o significado da palavra “audácia” em um dicionário velho e repleto de traças, esquecido nos confins da minha memória. Agora eu percebo que fiz tudo do avesso, devia ter ousado mais, poderia pelo menos ter usado minha criatividade.<br />Algumas coisas eu de fato não entendo, é estranho concluir que eu deveria não ter sido eu mesmo. Criticar-me por não ter agido de uma maneira desconhecida também é difícil de assimilar. Fica tudo mais complicado quando o assunto envolve um novo personagem, até porque, depois, não será uma história e sim uma estória. O mais inacreditável mesmo é que, apesar de eu ter feito tudo errado, indo contra a lógica, desprezando os sinais, você continua aqui comigo! Isso está certo, mas não deveria estar... Não é?</div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-56925260782428436922009-05-12T22:39:00.006-03:002009-05-12T22:50:09.707-03:00O ABRIDOR DE PILHAS<div style="text-align: justify;"><br />Eu estava naquela idade onde já entendia a morte, mas ainda não conhecia o sexo. Me preparava para mais uma das maçantes viagens ao interior do Rio Grande do Sul, até os campos de cima de serra, visitar meus avós. Eram raras as ocasiões em que sentia vontade de ir até aquele lugar, onde não havia sequer luz elétrica. Me sentia mal antes mesmo de sair de casa, tendo a certeza de que passaria o dia inteiro longe dos meus amigos e brinquedos, sem nada para fazer, coisa de piá. Eu não conseguia ver o lado bom daqueles passeios, pelo menos até chegar na humilde casa de madeira projetada e construída pelo meu próprio avô.<br />Ao ver os rostos dos meus avós, bem marcados pelo tempo e pelo trabalho, eu já sentia algo diferente, meu mau humor praticamente desaparecia do meu interior, mas eu continuava emburrado por fora, tinha que preservar o meu inútil orgulho. Logo o tédio se apoderava de mim outra vez, e as perspectivas nunca eram boas em um lugar onde não havia televisão. Eu precisava me divertir de alguma forma, tinha que inventar uma brincadeira com os objetos que estavam ao alcance.<br />Meus avós, na falta de uma televisão, ouviam rádio, pois este não necessitava de energia elétrica para funcionar, bastavam algumas pilhas. Por isso, para todo lado que eu olhava via uma pilha, eram muitas, de várias marcas e tamanhos. Aqueles eram objetos que me fascinavam, pois alimentavam aparelhos eletrônicos sem estarem conectados a qualquer tipo de energia, para mim eram como cápsulas mágicas. Não demorei muito para perceber que finalmente poderia descobrir como funcionavam aquelas estranhas fontes de energia. Furtivamente, eu catava algumas pilhas bonitas e grandes e me dirigia para estradinha de terra que ficava na frente da casa, meu laboratório nada particular, que contava apenas com o belo céu anil do Rio Grande de teto.<br />Começava a destruição! Munido de uma grande pedra, eu empregava todo meu esforço para abrir as pilhas: colocava-as de pé sobre uma outra pedra e lançava a que tinha nas mãos sobre elas, na tentativa de romper a blindagem metálica que as revestia. Funcionava muito bem, o metal se deformava com as batidas, e ficava fácil retirá-lo. Pouco a pouco as pilhas eram destroçadas, e eu via maravilhado as substâncias que formavam-nas, era quase inacreditável conceber que pudesse haver tanta coisa bizarra lá dentro.<br />O sorriso brotava no meu rosto ao retirar o "coração" do que havia sobrado da pilha, uma pequena barra escura e dura, que era imediatamente esfarelada com mais algumas batidas de pedra, estava terminado. Naquelas tardes ensolaradas e poeirentas de domingo, uma das invenções mais curiosas do homem era destrinchada do modo mais rústico possível, por um menino franzino e inquieto, que apenas tentava se divertir.<br /></div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-44439149457499381222009-02-26T11:43:00.007-03:002009-04-23T19:11:27.751-03:00BELEZAS HUMANAS<div style="text-align: justify;"><br />Dois oceanos do mais hipnotizante e infinito azul movimentam-se calmamente, apresentam-se para o horizonte, exibem-se para o céu e lambem, inocentemente, o continente. A noite se faz presente no centro da imensidão marinha, duas sombras que, sabiamente, impedem o nascimento do absoluto, pequenos vultos que os mares, misteriosamente, não engolem. O dia e a noite passam, ambos caem sobre as águas como espessas cortinas, escondendo-as. São turnos muito caóticos, têm a duração de um piscar de olhos e nada avisam sobre suas breves idas e vindas. No fundo desses oceanos repousam valiosos tesouros, nada que se possa ver ou tocar, são conhecimentos que vão além da imaginação, muito bem guardados pelo enigmático azul.<br />O dourado do deserto se intensifica ainda mais sob os raios de sol. Não há vento, mas a areia se move graciosamente, formando traços, ora sublimes, ora bizarros, sobre o solo. A transformação jamais cessa, dunas erguem-se em segundos e somem momentos depois, sem qualquer explicação. O terreno nômade renova-se a cada instante, criando suas inúmeras expressões, para o bem ou para o mal. O deserto está ciente que o seu papel na natureza é o de demonstrar, da forma mais difícil, porém eficaz, os complexos desejos que existem nas profundezas da terra.<br />A brisa acaricia suavemente o trigal, destacando a desenvoltura que ele possui. Ela sopra com extrema cautela sobre a plantação, não quer desarrumar tamanha beleza. Cada pé de trigo contribui com sua forma e cor para a formação de um reluzente tapete bailarino, que o ar vai ensinando a dançar de forma majestosa. Mesmo sem vida, o trigal encanta os observadores, que jamais esquecerão dos passos que puderam admirar. Mesmo quando não estiverem em movimento, esses dançarinos serão lembrados.<br />As densas matas escondem e protegem fabulosos montes. Montanhas alvas de formas desconhecidas, encantadoras pelo simples fato de existirem, fascinantes pelos seus mistérios. Exuberantes e sensíveis monumentos, que demonstram sua simplicidade ao se deixarem levar pela inquietação. Eles pecam pelo simples motivo de estarem erguidos. Muitos perigos espreitam, a curiosidade e o instinto natural tornam míticos os atributos dessas formações. Algum dia, os segredos dos montes protegidos serão descobertos, com uma sincera admiração no olhar e ternura nos toques.<br /><br />Escrito em 2006<br /></div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-32235398645482772632009-02-10T16:42:00.006-02:002009-02-10T20:02:59.748-02:00ÍCARO<div style="text-align: justify;"><br />Das nuvens um homem desceu. Veio caindo, leve como uma pluma, cabeça baixa e olhos fechados. Havia ficado muito tempo lá em cima, junto aos pássaros, conduzido pelas correntes de ar nascidas nos confins do mundo, observando com displicência as pessoas da terra firme, que mais pareciam minúsculas formigas correndo desvairadamente em todas as direções. Até o dia em que seu corpo começou a ficar pesado, tão pesado que já não podia mais flutuar, foi quando retornou ao chão empoeirado da civilização.<br />Ele não planejou nada, apenas sentiu uma inexplicável leveza, um misto de liberdade e despreocupação tomou conta de seu interior, desconectando-o das preocupações mundanas. E foi assim, desligado da terra e de suas pessoas, que ele subiu, como um foguete rumo ao céu. No início, foi escravo do vento, perdeu a conta de quantas vezes uma lufada de vento o mandou para longe de onde queria estar. Até pensou em conformar-se com os caprichos das correntes de ar, pois viver nas alturas já era algo extraordinário, ter controle sobre isso seria pedir demais... Quando voltou a tocar o chão lembrou-se disto, e teve a certeza de que teria sido melhor aquela vida ao sabor do vento.<br />Inconformado por não conseguir controlar seus próprios rumos, pôs-se a treinar. Aprendeu a movimentar-se enquanto era carregado pelas rajadas, isso nem sempre era possível, mas, com o tempo, passou a ter certa autonomia sobre suas viagens, e foi assim que acabou tendo contato com as coisas que havia deixado lá embaixo. Ele escolheu ver, nem que fosse de longe, como estavam algumas pessoas que não havia conseguido esquecer por completo. Dizia para si mesmo que aquelas pessoas representavam o motivo dele não ter ido mais alto ainda, quem sabe estaria viajando pelas estrelas naquele momento se não fosse por elas.<br />A paz e a sensação de liberdade estavam sempre presentes, mas nem isso foi capaz de impedir que ele começasse a sentir o peso da solidão. Vez ou outra cruzava com pessoas que também viviam nas nuvens, mas era impossível parar sequer para conversar com elas, aquela era uma vida de constante movimento, na verdade foi tudo o que ele sempre quis, pelo menos até aquele momento. Ele não sabia se as pessoas que amava haviam esquecido dele, se não eram capazes de voar, ou se elas simplesmente não queriam uma existência como aquela, sem regras, ou paradeiro, sem um chão. Essas dúvidas foram ganhando peso, o que o fez pensar na possibilidade de não conseguir permanecer nas nuvens... Àquela altura ele nem sabia mais se viver no céu era realmente o melhor.<br />Enquanto seus lábios sorriam, seus olhos choravam. As dúvidas ganharam proporções inimagináveis, as lembranças de sua antiga vida atrapalhavam sua concentração, ele já não era mais capaz de controlar o vôo, ficava cada vez mais claro que não conseguiria se manter no céu. Diversas vezes ele se perguntou por que escolheu observar os que havia deixado na terra firme, e jamais chegou perto de qualquer conclusão. Ele havia deixado de se importar com aquela gente o suficiente para conseguir voar, foi uma escolha que acabou trazendo dor mais tarde. O mesmo motivo que o possibilitou desfrutar daquela vida intensa e indescritível, também seria o que o levaria de volta ao chão.<br />O dia chegou, ela sentia isso, estava pesado demais para flutuar, havia chegado a hora de se despedir de tudo aquilo e voltar a usar os pés. Contemplou uma última vez os picos brancos das montanhas que se erguiam acima das nuvens, bateu palmas para o vôo perfeito da águia, escutou com prazer o som avassalador dos trovões no interior das nuvens escuras de uma tempestade, e despediu-se de todos aqueles que conseguiu ver lá em cima naquele instante. Enquanto descia ia lembrando dos momentos de sua ascensão, da estranha sensação de não ter nada que o prendesse, e da certeza sobre seu destino, algo que praticamente nunca tivera na vida. Apenas uma certeza ricocheteava em seu interior, jamais procuraria aquela gente que o fez retornar, nunca perguntaria a elas porque não o procuraram, porque não quiseram se juntar a ele lá em cima.<br />Ao tocar o solo sentiu um grande desconforto, era como se tivesse sido acorrentado ao solo. A sensação foi tão intensa que o impediu de andar, e foi piorando, pois seu corpo todo foi praticamente puxado pela gravidade até o chão. Por alguns instantes ele ficou inerte, reuniu todas as forças que possuía para levantar, mas não conseguiu mover um dedo sequer. Aos poucos ele foi se acostumando com o peso do corpo, e, com algum esforço, conseguiu se pôr de pé novamente. Ao perceber que não seria mais carregado pelo vento, pediu ajuda às pessoas que passavam por perto, e estas o levaram até sua casa. Ele notou que só conseguia sair do lugar com a ajuda e sugestões de outras pessoas, e foi precisamente nesse instante que ele, Ícaro, desejou voltar às alturas.</div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-16833250230071339492008-09-25T16:53:00.003-03:002008-09-25T17:02:13.555-03:00VETOR<div style="text-align: justify;"><br />Quando acordo já sei para onde vou, sei o motivo, conheço o caminho e as pessoas que lá estarão... Mas não sei se é realmente necessário ir, se os motivos que me movem são de fato importantes, nem consigo imaginar o que poderia acontecer se eu não fosse para onde sempre vou. Reconheço a voz do outro lado da linha, sei quem está falando, amigo de longa data... Infelizmente não entendo o que ele está dizendo, o sentido da mensagem foge à minha compreensão, não estou conversando mais com o amigo de ontem, é ele quem está falando comigo, e é hoje.<br />Já deveria ser amanhã, para eu ser tão velho quanto dizem que já sou, eu sei de tudo isso, não sou louco... Mas continua sendo ontem, não consigo provar que já deixei de ser jovem, não me importaria de fingir, pelo menos não receberia mais doses cavalares de drogas pelo ouvido. Gostaria de ter uma companhia para caminhar, eu sei que cruzar os dedos não faz alguém aparecer, sei também que cada pessoa segue uma trilha própria em um confuso labirinto... Dizem que há um labirinto, não vejo nenhuma divisória ou parede, por isso fico admirando os passos alheios e esqueço de andar.<br />Dizem que sou alguém, pois tenho um nome, documentos e um rosto... Sou alguém que sabe fazer certas coisas, o que sei fazer não me faz ser alguém, mas já vi reconhecerem alguém pelo que sabia fazer, se alguém não sabe fazer nada dizem que nem chega a ser alguém, eu sei. Quem sabe eu seja um vetor, uma forma de vida que carrega e transmite um agente infectante. Minha psicóloga, os sociólogos da cidade e os filósofos do mundo não sabem, ainda, se o que estou disseminando é benéfico, inútil ou perigoso, não souberam me dizer.</div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-62869962045066326582008-09-12T23:38:00.006-03:002008-09-12T23:51:35.674-03:00FABRICANDO DESTINOS<div align="justify"><br /> Alguém se levantou às oito da manhã do dia dezenove de novembro, bocejou longamente e foi direto para o banheiro. Ao se olhar no <em>acusador</em> ele constatou que não havia necessidade de fazer a barba, também viu uma pequena espinha no alto da testa, quase onde nasciam seus cabelos escuros, mas nada grave. Estava ligeiramente atrasado, pelo menos era isso que indicava seu <em>algoz</em>, marcando oito horas e oito minutos. Rapidamente ele vestiu suas <em>decências</em>, abotoou seu <em>emprego</em>, pôs suas <em>visõe</em>s nos olhos, recolocou o <em>noivado</em> no anelar e saiu.<br /> Ao mesmo tempo, do outro lado da cidade, alguém guiava na auto-estrada. Cabelo impecável, unhas bem feitas e pintadas de vermelho, de suas orelhas pendiam pequenos e belos <em>satélites</em>, naquela manhã ela usava seu <em>espírito</em> preto, leve e sensual, o que mais gostava. Quando estava na metade do caminho, ela ouviu o <em>imortal</em> tocar, sem pestanejar inclinou-se para trás e, com uma das mãos, pegou sua <em>vida</em> no banco traseiro, abriu-a, retirou o aparelho e atendeu a inconveniente ligação. Era seu chefe, precisavam urgentemente dela na <em>cruz</em>, automaticamente ela acelerou.<br /> As oito e quinze do dia dezenove de novembro, um jovem apressado atravessava a rua em direção ao seu novo emprego, e uma mulher preocupada voava baixo pela auto-estrada. Ele girava o <em>noivado</em> no dedo, costumava fazer isso quando estava nervoso, ela ouvia o <em>imortal</em> tocar pela segunda vez, precisava atender... Um instante, um acidente, o <em>algoz</em> do jovem havia feito seu trabalho, seus ponteiros pararam às oito dezesseis, a mulher acabou morrendo pela <em>cruz</em>. No asfalto morno da estrada restaram, lado a lado, um <em>noivado</em> partido e uma <em>vida</em> rasgada.</div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-25241493517565616932008-08-11T13:40:00.001-03:002008-08-11T13:43:14.269-03:00POR AQUI<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Por aqui não sorriem de graça, logo estendem o chapéu, ou fazem tilintar as moedas que se encontram em suas canecas. Tudo é perto aqui, mesmo assim ninguém caminha tranqüilo, existe pressa, ou um estranho receio de que as distâncias aumentem se os passos não forem largos. Por aqui existem palavras, nascem frases, surgem conversas e inventam-se histórias, o mundano é fantástico. Os prédios crescem para os lados por aqui, as plantas para cima, e as pessoas para dentro, não canso de me perguntar se alguma dessas coisas chegará a ser grande um dia.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Por aqui o sol nasce no leste, lê-se da esquerda para a direita, as faixas de pedestres são brancas, e os pedestres também são brancos, enfim, tudo de acordo. Tudo que é velho, quando contado por um novo, é novidade por aqui. Há música por todo o lado aqui, e música de um lado só também, como uma invenção exclusiva! Discos sem um lado B. Por aqui, é possível ver o último dos montes mesmo sem olhar para cima. Aqui, o início e o fim são tão próximos que, o espaço existente entre eles, não pode ser determinado por nenhum forasteiro.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Dizem por aí que, por aqui, pouca coisa brilha e nada soa bem... Se prestassem bem atenção veriam que isso não é verdade. Há diamantes por aqui, um ou outro é verdade, mas há, também tem ouro de tolo, muito sem dúvida, mas tem. Por aqui, pelos cantos, se resmunga de uma forma que só é entendida por aqui - código inteligente - e no centro tentam explicar, para quem vem de fora dessa figura geométrica, o que foi dito nos cantos. Por aqui, muito se vê e sente-se muito, pouco se lê e entende-se pouco.</p>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-49837022478480740452008-07-23T00:11:00.002-03:002008-07-23T00:16:10.900-03:00HISTÓRIA DE PAPEL<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Eu não sabia se colocava um ponto ou uma vírgula naquela história. Acabei optando pelo ponto, percebi que não havia mais como continuar. Logo depois de ter decretado o fim me pus a rever o breve romance, relembrá-lo, revisá-lo. As reticências estavam em seus devidos lugares, escorregando no final de frases que deveriam terminar... Algumas perguntas pareciam ter sido feitas em ocasiões inoportunas... Mas, afinal, uma boa história deve mexer com o leitor, instigá-lo, não é mesmo? Decidi não alterar as interrogações.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Não demorei muito para chegar às reviravoltas. Aqueles momentos cheios de surpresas, sentenças extensas, mas que dão a impressão de não ocuparem muito espaço, instantes de impacto, capazes de mudar os planos, as teorias, de embaralhar os pensamentos. Foi aí que notei a falta de clareza, havia compreendido o motivo de ter optado pelo ponto final. Convenci-me de que o basta havia entrado na hora certa, já não existia mais nada, só confusão. Todo o brilhantismo, a criatividade e o amor que pontuaram o início da história haviam desaparecido.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>O que era para ser uma ficção intensa e envolvente nunca deixou de ser uma história. Não foi fácil desenterrar da memória as frases inacabadas, as perguntas cortantes nos momentos complicados, e os diversos pontos que foram, aos poucos, sendo semeados pelo romance. Procurar e encontrar os motivos que geraram o fim, revendo página por página, lembrando situação por situação, é uma tarefa árdua e demorada, mas é assim que se chega ao final entendendo-o. O romance não estava no papel, era escrito por nós, com sentimentos vermelhos, sobre nossas alvas vidas. </p> <span style=";font-family:";font-size:12;" ></span>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-20931442895305860812008-06-17T21:26:00.006-03:002008-06-17T21:36:26.646-03:00O BONECO<div align="justify"> </div><div align="justify">O trem já estava na metade do caminho, havia passado pelas mais belas paisagens e lutado com impiedosas tempestades. A vida da moça, que estava sentada displicentemente próxima à janela do quinto vagão, não havia andado tanto quanto a locomotiva. Ela mudava constantemente as pernas esguias de posição, suas lembranças misturavam-se com seus e planos, a morte chegava, era posta para fora e dava lugar ao desejo de mudar de cidade, sorrisos espontâneos eram distribuídos à esmo, sendo rapidamente substituídos por lábios apertados. Era quase possível perceber sua fragilidade e incerteza escorrendo pelos finos fios dos cabelos claros que se ajeitavam naturalmente.</div><div align="justify"> </div><div align="justify"> </div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">Quem sabe, se estivesse em um ônibus, não estaria sozinha, se parasse de refletir tanto, não perderia tempo com tais suposições. O trem se aproximava de mais uma estação, e ela já havia perdido a conta de quantas vezes havia parado, nem sabia mais se isso era bom ou ruim, desistira de pensar nisso também. Há poucos metros da plataforma de embarque da estação, a jovem vislumbrou uma aglomeração de pessoas. Ajeitou-se melhor no assento a fim de descobrir qual era o motivo de tal reunião atípica. Aos poucos, conseguiu ver que, no meio da multidão, a maioria crianças, um senhor dava vida a um amável boneco.</div><div align="justify"> </div><div align="justify"> </div><div align="justify"> </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">A moça ficou maravilhada com a cena, as mãos e os dedos do bonequeiro se moviam de uma forma muito esquisita, torta, mas o pequeno boneco parecia estar vivo e dançava graciosamente para a platéia. O espetáculo parecia ter sido preparado especialmente para aquele momento, como se fosse imprescindível para dissipar a leve, porém incômoda, angústia que ela trazia no peito. A apresentação parecia estar longe do fim e o trem, que ela nem notara ter parado, voltava a movimentar-se para continuar a viagem. O artista percebeu que os olhos castanhos da jovem estavam vidrados nos movimentos do homenzinho de madeira que conduzia, e resolveu homenageá-la, mexeu os fios que segurava com delicadeza, e seu boneco acenou tristemente para ela.</div><br /><br /><div align="center"><em>Ela sorriu e teve a sensação de que sua trajetória estava sendo escrita pela mão inconstante de um escritor adormecido e distante...</em></div>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-2776453971419940972008-06-03T21:44:00.008-03:002008-06-03T21:52:55.100-03:00A PEÇA<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">As cortinas se abriram, o ator estava visivelmente nervoso, mesmo sendo excelente na arte de interpretar e já ter perdido a conta de quantas vezes fora aplaudido de pé. Era a mesma peça, o mesmo personagem e a platéia não havia mudado muito, apenas uma ou duas pessoas novas, sem rosto. O palco parecia ondular sob seus pés, causando-lhe um pequeno desconforto, mas ele manteve-se firme, fixou o olhar na multidão que assomava a sua frente e reuniu forças para encarnar, mais uma vez, o inesquecível Rei de Copas. Seus gestos exalavam soberba e tranqüilidade, e com as famosas risadas histéricas, alternadas com crises agudas de tristeza, o Rei de Copas, como sempre, foi cativando aos poucos seu fiel público.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Na primeira fila, sentada exatamente no mesmo lugar, estava a bela escultora de cabelos negros e brilhantes com quem o ator sempre quis conversar, mas jamais conseguira. Logo ao lado da artista estava uma mulher de olhar distante, seus traços transmitiam uma imensa fragilidade, dava a impressão de ser a mãe de todas as pessoas do mundo. Uma das cadeiras estava vazia, era muito estranho haver um lugar sobrando na primeira fila de tão grandioso espetáculo, mas estava lá, um imenso vazio. As demais poltronas do lugar estavam todas ocupadas por pessoas bem vestidas, mas que não possuíam face, o ator não se importava com tal detalhe, desde que ouvisse o som confortante dos aplausos, com os quais estava tão acostumado.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>O Rei de Copas condenou outro camponês à forca e esboçou seu último sorriso de satisfação, e, após um breve silêncio, o público rompeu <st1:personname productid="em aplausos. Era" st="on">em aplausos. Era</st1:personname> possível ver nos olhos do ator o êxtase, a sensação de ter sido perfeito, de ter experimentado a melhor droga que poderia existir, estavam quase todos pé, produzindo aquela explosão sonora de que ecoava pela gigantesca sala... <i style="">Quase todos</i>, em meio ao seu torpor, o ator notou que havia um homem naquele lugar vazio, e o espectador que lá estava lançava-lhe um olhar de desprezo. Como que por encanto a platéia toda sumiu, as palmas cessaram, o silêncio e a solidão retornaram, aquele homem que não aplaudiu tinha o rosto idêntico ao do ator, que caiu de joelhos, fracassado, no meio do palco.</p>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-31117129470937129182008-04-29T21:56:00.004-03:002008-05-03T12:41:36.590-03:00A NOITE GLACIAL E O MAR VOADOR<p class="MsoNormal"><?xml:namespace prefix = o /><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="TEXT-ALIGN: justify"><span style="font-size:+0;"></span>Não basta abrir os olhos para ver além da face de vidro, caminhar pelos planos não é o bastante, perguntar não resolve a questão, argumentos são insuficientes para se ganhar o coração. O vizinho nunca serei eu, o ateu não sabe mais quem é alguém, os relógios não estão certos, mas continuam correndo, os escuros tornam-se mais atraentes quando sorriem, as almas pedem para serem esquecidas, não querem incomodar. Os astros se organizam no céu, no espaço, no infinito, na vida, no destino, eles mexem em tudo e não modificam nada.</p><p class="MsoNormal" style="TEXT-ALIGN: justify"><span style="font-size:+0;"></span>Os dias não conhecem o caminho de volta, na noite seguinte você esquecerá tudo de novo?<span style="font-size:+0;"> </span>Ensine as crianças a subir nas árvores, prepare-se para correr, acredite que qualquer um pode morrer, há raízes por todos os lados, algarismos nos sonhos, exatidão na união. A luz do sol petrifica os motivos, eu dou bom dia de madrugada, tudo acabou terminando durante o carnaval, um de nós quis ser os dois, ninguém conseguiu ser um sequer. O complicado anda entorpecendo, paralisando desejos, é o mais novo ditador de uma nação lendária.</p><p class="MsoNormal" style="TEXT-ALIGN: justify"><span style="font-size:+0;"></span>O vento levará os balões daqui até aí, se eles chegarem não haverá por que ficar parado, deixar o abstrato de lado, o telefone vai parar no lago e as labaredas jantarão dinheiro. Você está falando mas eu só ouço a minha voz, eu estou jurando mas você não está sabendo... Vamos estender o mapa sobre a mesa nova, curar nossa cegueira, definir as rotas, criar os rumos, imaginar o caminho, levantar da cama e andar juntos até cansarmos, apenas para podermos voltar juntos de onde viemos. Temos que parar de olhar ao redor, de tirar o sentido das coisas que falamos e escrevemos, essa foi a última vez. Nosso amanhã terá sol e chuva, são distantes e diferentes, mas estarão unidos.</p><span style="font-family:';font-size:12;"></span>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-80077769909338690802008-04-27T21:16:00.006-03:002008-04-27T22:02:11.054-03:00IMAGENS<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>O ônibus parou lentamente, pai e filha desceram na parada de uma pequena praça, traziam consigo apenas algumas malas e expectativas. A imagem do ônibus levantando poeira e se afastando jamais sairá da memória de Miguel, as flores e os balanços amarelos daquela singela e acolhedora praça encantarão para sempre a pequena Bárbara. O pai era um homem esbelto, de cabelos escuros desarrumados e olhar incisivo, a filha parecia um menino, enfiada em calças jeans surradas e usando um boné vermelho colocado de forma displiscente. Estavam em uma nova cidade, os olhos de Bárbara brilhavam, ela queria saber tudo, Miguel pensava no que iam fazer, desejava saber todas as respostas, para todos os problemas.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>O sol das duas da tarde estava forte, e os dois procuravam uma sombra. Ao ver o suor escorrer pelo rosto de seu pai, Bárbara tirou o boné e ofereceu-o, Miguel sorriu, abaixou-se, arrumou os curtos cabelos da filha e beijou-a, enquanto recolocava o boné em sua cabeça. Pai e filha não demoraram muito para encontrar um banco protegido por dois imponentes ipês. O banco ficava de frente para a estátua de um importante general, que lutou pelo império brasileiro, para Bárbara era um homem esquisito usando roupas feias, para Miguel, alguém que ele jamais conseguiria ser. A filha pediu ao pai quem era o homem montado no cavalo, ele respondeu que foi um grande homem, que defendeu a liberdade, e que existiam mais desses hoje em dia, só que não ganhavam mais estátuas.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Miguel retirou sua preciosa câmera fotográfica e preparou-a para sua filha. Gostava de vê-la tendo contato com a fotografia, acreditava que ela seria uma fotógrafa muito melhor do que ele. Alguns minutos depois entregou a nikon nas mãos magrinhas de Bárbara e pediu a ela que fotografasse o herói que ali estava. Sem pestanejar, a pequena menina empunhou a máquina, fechou o olho, umedeceu os lábios com a língua, procurou o melhor ângulo e fotografou com a perfeição de uma criança. Bárbara acabou se tornando uma grande fotógrafa, conseguiu algumas das melhores imagens da guerra do golfo, mas a foto que mais gosta é uma de seu pai, de jaqueta marrom e calças empoeiradas, tirada em uma pequena praça de balanços amarelos. </p> <span style=""></span>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-60933699832464967512008-03-26T16:17:00.008-03:002008-03-26T19:42:50.276-03:00O SER E O SER<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; font-family: courier new;font-family:courier new;">Eu vi corpos artificiais e vazios receberem um punhado de órgãos e serem animados com descargas elétricas. Eles conseguiam ficar de pé, se movimentavam, eram capazes de se manter vivos, respiravam, comiam, dormiam, falavam, escutavam, funcionavam perfeitamente bem. Seus criadores não tiravam os olhos dos gráficos que coloriam as telas dos computadores, conseguiam monitorar o funcionamento de suas criaturas sem olhar para elas, baseavam-se nos números fornecidos pelos programas.</p> <p class="MsoNormal" face="courier new" style="text-align: justify; font-family: courier new;"><span style=""> </span>Pouco tempo depois os vi espalhados pelas ruas, em meio às pessoas, caminhavam pelas calçadas, dirigiam automóveis, trabalhavam, estudavam. Menos de duas décadas depois já era difícil saber quem era natural e quem havia saído de um laboratório. Não se sabia exatamente o motivo desse fenômeno, alguns achavam que a capacidade de aprendizado das criaturas desenvolveu-se rápido, outros, dentre eles eu, diziam que a raça humana havia se tornado apática e funcional, assemelhando-se às criaturas.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify; font-family: courier new;"><span style=""> </span>Algumas pessoas afirmavam serem capazes de notar a diferença entre humanos naturais e humanos artificiais. Elas diziam que os humanos naturais possuíam algo no olhar, uma espécie de brilho, que ia além da vida biológica. Até então, a única maneira de saber quem era natural se dava por meio de testes que analisavam a degradação do tecido cerebral. Pessoas apontadas por esses “sensitivos” como sendo naturais foram submetidas aos testes, algumas delas foram diagnosticadas como artificiais. A maioria acreditou na ciência, eu fui um dos que acreditou nas pessoas, fui acusado de ser artificial e jogado numa cela, como sendo uma falha.</p>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-12291001936457839342008-03-13T14:31:00.008-03:002008-03-13T14:49:44.664-03:00TEMPESTADES<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Continue caçando suas tempestades, enfrente os raios, sinta a chuva, olhe bem para as nuvens escuras que pairam sobre você. Elas não duram para sempre, são apenas alguns instantes de anormalidade, é o momento em que não faz tempo bom, é a chance de escapar do trivial. Torne-se um louco, desenvolva uma surdez, não ouça o que dizem, não faça o que fazem. Eles fogem, você enfrenta, eles ignoram, você quer saber, eles permanecem secos, você se encharca, eles não morrem, você vive.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Pise na lua, caminhe no ar, voe pelas estrelas. Vista o traje de astronauta, faça a contagem regressiva do foguete, prepare-se para aterrissar. Construa o seu mundo, este não basta, ele não está certo, não é um lugar justo. Você é o lunático, um sonhador desatento, alguém que não tem chance nessa realidade, precisa se salvar! Continue sendo o que sempre foi, não fuja do abrigo, não esqueça do autismo, conteste o que vê e ouve, é sua única chance.</p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style=""> </span>Benjamin Franklin e sua pipa enfrentaram a tempestade, desafiaram as ameaçadoras nuvens negras, domaram os raios. Santos Dumont embarcou em seu 14 bis e provou que o homem podia voar. A bordo do Sputnik, Yuri Gagarin foi além do horizonte, viajou pelas estrelas, o céu deixou de ser o limite.<span style=""> </span>No dia vinte de julho de 1969, Neil Armstrong anunciou estar caminhando pela humanidade, neste momento ele pisava no solo arenoso da Lua pela primeira vez. Estes homens existiram no mundo de qualquer um, enfrentaram as tempestades, promoveram as mudanças no tempo.</p>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1544290632863029561.post-63053068838576089352008-03-06T00:24:00.001-03:002008-03-06T00:30:56.851-03:00VISITANDO O INTERIOR<p class="MsoNormal"><i style="">Passava das duas da manhã quando bateram à porta da casa número vinte e dois da Rua Marcelo A. de Moura.<o:p></o:p></i></p> <p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal">- Nossa! Eu jamais poderia imaginar que você me faria uma visita a essa hora da madrugada! Que ótima surpresa! Entre.</p> <p class="MsoNormal">- Estava passando por aqui e, como tinha certeza de que estaria acordado, resolvi dar uma passada, espero não estar incomodando...</p> <p class="MsoNormal">- Claro que não... Mas sente-se, vou pegar um café.</p> <p class="MsoNormal">- Você andou mudando algumas coisas por aqui não foi? Olha, com sinceridade, achei um tanto esquisita essa nova decoração.</p> <p class="MsoNormal">- Pronto, aqui está o café... Não mudei nada, está tudo exatamente mesmo lugar. A última vez que você esteve aqui era dia e estava sentada em outro lugar, quem sabe esses fatores devem ter te dado essa falsa impressão.</p> <p class="MsoNormal">- Mas está muito diferente mesmo, sem brincadeira!</p> <p class="MsoNormal">- Impressão sua... Como está o tempo? Muito frio lá fora?</p><p class="MsoNormal"> - Não, está bem agradável.</p> <p class="MsoNormal">- Ah! Eu não costumo sair muito de casa, por isso sempre acho que faz frio lá fora...</p> <p class="MsoNormal">- Você deveria sair mais.</p> <p class="MsoNormal">- Quem sabe... Mas eu já desisti, lá fora não parece ter nada interessante, aqui dentro posso fazer o que quiser, criar coisas do meu interesse.</p> <p class="MsoNormal">- Sei... Nesses papéis aí?</p> <p class="MsoNormal">- Isso mesmo, com a ajuda de uma caneta.</p> <p class="MsoNormal">- Eu não entendo! Bom, só passei para ver se você estava bem e encontrei uma nova decoração e você dizendo que não mudou nada de lugar... Obrigada pelo café.</p> <p class="MsoNormal">- Está tudo no mesmo lugar, você viu a sala de um ângulo diferente e com outra iluminação, sei que pode parecer difícil de assimilar isso, mas continua tudo igual.</p> <p class="MsoNormal">- Você mudou... Bem, boa noite.</p> <p class="MsoNormal">- Para você também, volte sempre!</p> <p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p> <p class="MsoNormal"><span style=""> </span><i style="">Passava das nove da manhã quando abriram a porta da casa de número vinte e dois da Rua Marcelo A. de Moura.<o:p></o:p></i></p>Marcelo A. de Mourahttp://www.blogger.com/profile/05035795029447422139noreply@blogger.com0