6 de out. de 2009

CALEIDOSCÓPIO EM SÉPIA


Certo dia, um certo homem me disse que eu era quadrado. O homem estava de fato certo, explico aos que não leram dessa forma, os tais regrados, gente necessitada de organização, se vem escrito antes é muito cedo, só se vem depois que é certo. A quadradez do sujeito, eu no caso, por acaso é fruto das explicações, como pôde ser visto anteriormente, como posteriormente poderá receber um visto. É da minha natureza explicar, o que nada mais é do que descomplicar o dito por este que vos fala. Consertar? Nem pensar! Tá tudo certo, só mal colocado. Mudar? Sou letrado, não fico calado! Por essas e aquelas o certo homem certo afirmou que eu tinha quatro lados, na hora pensei em ir morar num desses livros de matemática, correspondências para: Ensino Médio - Matemática, bairro das Figuras Geométricas, página 42. Que tipo de pessoa é quadrada? Ele poderia ter me chamado de redondo pelo menos... Mas aí ele estaria errado, e eu nem chegaria a ser quadrado. Pensando bem, os redondos só sabem rolar, e sempre pro lado afundado ainda! Depois enchem a boca, não basta ter só a pança nessa condição, para dizer que, ao menos, para algum lado vão. Eles têm muita razão... Isso deve pesar bastante. Eu, no meio de uma explicância - plural de explicações - parei para ouvir a sentença de uma sentença, sim, condenavam uma frase! A pena era horrenda: "Condenada ao esquecimento", por ser deformada, sem sentimento. Os regrados - de novo eles - julgavam, enquanto os poetas - bem aqueles - rezavam, tudo ao mesmo tempo, no templo da rima. Voltando ao que explicava eu antes: quatro lados... Um bom, um ruim, um profundo e um raso assim? Será? Preciso perguntar a um engenheiro se é possível, não quero que a casa caia depois. Tudo isso por causa de um ser correto e sua sabedoria ao quadrado. A propósito, o dia também estava certo.

PARTE DO AR


Hoje você acordou diferente, teve um sonho, e nele viu o que precisava fazer, descobriu sua missão nessa vida. Você não quis me explicar, não contou nada, disse que era fantástico demais para descrever. Partiu e me deixou falando sozinho. Saiu apenas com a roupa no corpo e com a lembrança do sonho na cabeça, passos firmes, em direção a montanha mais alta do lugar.
A subida seria difícil, você nunca havia feito nada parecido, precisaria de muito fôlego e resistência, pois queria chegar ao topo, com certeza. Em pouco tempo uma distância enorme foi percorrida, isso não era normal, as imagens do sonho também não, tudo estava se compensando naquele momento. Aquele corpo não parecia ser o seu, o topo já estava logo ali e o cansaço não havia aparecido, a dúvida havia ficado no travesseiro, na noite anterior.
Finalmente você alcançou o topo, estava tudo aos seus pés, rodeando o monte, era ali que se cumpriria a visão mais espetacular do sonho. Você confiou no que viu, sentiu e ouviu, acreditou em tudo que sonhou, estendeu os braços, fechou os olhos e, com toda a paciência do mundo, esperou. Um pequeno sorriso brotou em sua face um pouco antes de uma forte lufada de vento atingí-la, era aquilo! No sonho, essa rajada de vento levava consigo todos os seus pensamentos e os espalhava pelo mundo, todos seriam contagiados por sua vontade de ver um mundo melhor.
Lá embaixo, correntes foram partidas, silêncios quebrados, amores recordados, perseveranças blindadas, tentativas valeram à pena, mortos descansaram em paz , vivos viveram em paz, políticas ruíram, bombas viraram pó, religiões minguaram, todos acreditaram mais em si mesmos, aceitaram que não podiam fazer tudo, acreditaram que podiam fazer muito mais, quem chorou sorriu, quem sorriu continou assim para sempre, por algumas eternidades o tempo parou.
Você ainda estava lá, de pé, completamente vazia, o vento havia levado tudo consigo, realmente não havia sobrado mais nada, seus lábios voltaram a se fechar dramáticamente. A missão havia sido cumprida com louvor, e o vento voltou para te buscar. Uma leve brisa soprou contínuamente sobre seu corpo que foi se esfarelando lentamente, eram partículas tão pequenas que mal podiam ser vistas, você se misturou com o ar, o oxigênio, a vida. Hoje eu consigo ouví-la assobiando durante as ventanias e tempestades, não sei o que você diz, mas sei que está bem.