12 de mai. de 2009

O ABRIDOR DE PILHAS


Eu estava naquela idade onde já entendia a morte, mas ainda não conhecia o sexo. Me preparava para mais uma das maçantes viagens ao interior do Rio Grande do Sul, até os campos de cima de serra, visitar meus avós. Eram raras as ocasiões em que sentia vontade de ir até aquele lugar, onde não havia sequer luz elétrica. Me sentia mal antes mesmo de sair de casa, tendo a certeza de que passaria o dia inteiro longe dos meus amigos e brinquedos, sem nada para fazer, coisa de piá. Eu não conseguia ver o lado bom daqueles passeios, pelo menos até chegar na humilde casa de madeira projetada e construída pelo meu próprio avô.
Ao ver os rostos dos meus avós, bem marcados pelo tempo e pelo trabalho, eu já sentia algo diferente, meu mau humor praticamente desaparecia do meu interior, mas eu continuava emburrado por fora, tinha que preservar o meu inútil orgulho. Logo o tédio se apoderava de mim outra vez, e as perspectivas nunca eram boas em um lugar onde não havia televisão. Eu precisava me divertir de alguma forma, tinha que inventar uma brincadeira com os objetos que estavam ao alcance.
Meus avós, na falta de uma televisão, ouviam rádio, pois este não necessitava de energia elétrica para funcionar, bastavam algumas pilhas. Por isso, para todo lado que eu olhava via uma pilha, eram muitas, de várias marcas e tamanhos. Aqueles eram objetos que me fascinavam, pois alimentavam aparelhos eletrônicos sem estarem conectados a qualquer tipo de energia, para mim eram como cápsulas mágicas. Não demorei muito para perceber que finalmente poderia descobrir como funcionavam aquelas estranhas fontes de energia. Furtivamente, eu catava algumas pilhas bonitas e grandes e me dirigia para estradinha de terra que ficava na frente da casa, meu laboratório nada particular, que contava apenas com o belo céu anil do Rio Grande de teto.
Começava a destruição! Munido de uma grande pedra, eu empregava todo meu esforço para abrir as pilhas: colocava-as de pé sobre uma outra pedra e lançava a que tinha nas mãos sobre elas, na tentativa de romper a blindagem metálica que as revestia. Funcionava muito bem, o metal se deformava com as batidas, e ficava fácil retirá-lo. Pouco a pouco as pilhas eram destroçadas, e eu via maravilhado as substâncias que formavam-nas, era quase inacreditável conceber que pudesse haver tanta coisa bizarra lá dentro.
O sorriso brotava no meu rosto ao retirar o "coração" do que havia sobrado da pilha, uma pequena barra escura e dura, que era imediatamente esfarelada com mais algumas batidas de pedra, estava terminado. Naquelas tardes ensolaradas e poeirentas de domingo, uma das invenções mais curiosas do homem era destrinchada do modo mais rústico possível, por um menino franzino e inquieto, que apenas tentava se divertir.