18 de ago. de 2011

ATRÁS DOS OLHOS

Vivo procurando, morro tentando encontrar. Certo dia, pensei ter achado debaixo das rugas de um senhor que lia jornal na praça. Engano meu, pedi perdão por ter projetado a luz do meu olhar sobre os sulcos de sua pele. Vi todo o tempo da minha vida, multiplicado pelo número de vezes que eu gostaria de viver, agarrado àquele rosto. Fardo pesado, derme sobrecarregada, não era à toa que deslizava em direção ao solo. Não estava lá, talvez teria estado, algumas décadas atrás. Carrego minha lupa de íris azul para todo o canto. Confiro meu gravador dezenas de vezes antes de sair de casa, às vezes ele ouve, mas não grava. Creio possuir apenas esses instrumentos, mesmo sabendo que existem erros que não admiro, e outros que não admito.
Noites atrás achei, mas apenas no sentido de não ter certeza. Parecia estar entrelaçado nos fios dourados do cabelo de uma perdida. Pude sentir o cheiro da descoberta naqueles lábios. Precipitação minha. No início do dia, não havia mais ninguém. Descobri que existem outros iguais a mim, que também procuram. Fui encontrado por alguém que buscava certo rumo. Ela queria uma direção, mas topou com um sentido. Ao repetir alguns enganos concluí que meu pálido termômetro não era defeituoso. Sempre achei estranho, toda vez que era abraçado, ele demorava poucos segundos para indicar uma temperatura absurda. Era só sensibilidade.
Naquela tarde, tive a breve certeza de ter encontrado nos passos de dança de um maluco. Movimentos desajeitados, insanos, era o caos fazendo uma apresentação de luxo. Os dedos da mão direita, em riste, eram a legenda da concentração. A mão esquerda, inquieta, socava o ar e o próprio corpo ao qual estava presa. Acomodei-me no mais alto dos degraus da ingenuidade para assistir aquela coreografia condenada. Aos rodopios, o dançarino foi se aproximando, até parar na minha frente. Pulverizou minha ingenuidade e me fez cair a seus pés, aplaudindo. Mas não estava lá. Quase me fiz acreditar que era, apenas por não ter compreendido a origem da emoção. Lembrei do meu imã, preso no fundo do bolso da camisa. Não é sempre que ele atrai metais.
Era uma madrugada qualquer, jurei ter achado nas ruas desertas da pacata cidade.Todos aqueles indivíduos compartilhando suas solidões únicas nas calçadas. A grandeza escondida no interior das casas de dois cômodos. O horário das organizações e limpezas nunca se repetia. O coração do lugar era um labirinto de caminhos há muito conhecidos. Estava tudo na medida certa, tive tanta certeza de ter encontrado que até entortei meu compasso. Achei que não precisaria mais esquadrinhar nada. Por muito tempo chamei de minha aquela cidade, mas recentemente ela confessou ser livre. Mais um engano para a coleção. Não era lá que eu estava. Não foi lá que me encontrei.