Há um homem que nunca deixou o cabelo crescer. Sendo habitante do meu imaginário, ele me permite transcrever seus pensamentos acerca de madeixas longas: "Isso é coisa de baderneiros, relaxados, gente sem regras - Ele não se incomoda quando incluo a categoria messias em tais distinções - vagabundos e preguiçosos".
Vaidoso, ele mantém o cabelo sempre bem aparado, pois tem consciência que um desalinhamento capilar causaria má impressão. Este homem jamais se apresentaria sem seu paletó devidamente abotoado, sapatos de couro marrom brilhosos, calças sociais impecáveis e, claro, com os cabelos curtos cuidadosamente penteados para o lado direito, mesmo que apenas eu possa vê-lo. Símbolo de distinção, a etiqueta em pessoa, este é o homem de cabelo curto.
Eu já disse a ele que não ligo para tais arrumações, mas não adianta, sou ignorado e forçado a contemplar sua obsessão pela boa aparência. Como pode alguém não ter vontade de deixar o cabelo crescer uma vez na vida? Em qual calabouço tal pessoa teria trancado sua curiosidade? Sempre que me faço essas perguntas o homem do cabelo curto sai a procura de uma tesoura... Toda vez que lanço tais questões ao homem ele corta cuidadosamente alguns fios, sem dizer nenhuma palavra.
Ele amputa suas possibilidades sem pestanejar, deixando-as cair mansamente, sem jamais dirigir um olhar para o chão, onde elas vão se amontando há muito tempo. "Para que mudar algo correto?", me pergunta ele... "Me sinto bem estando nos conformes", esclarece ele. Eu nunca entendi o homem do cabelo curto, mesmo conhecendo-o muito bem.