As cortinas se abriram, o ator estava visivelmente nervoso, mesmo sendo excelente na arte de interpretar e já ter perdido a conta de quantas vezes fora aplaudido de pé. Era a mesma peça, o mesmo personagem e a platéia não havia mudado muito, apenas uma ou duas pessoas novas, sem rosto. O palco parecia ondular sob seus pés, causando-lhe um pequeno desconforto, mas ele manteve-se firme, fixou o olhar na multidão que assomava a sua frente e reuniu forças para encarnar, mais uma vez, o inesquecível Rei de Copas. Seus gestos exalavam soberba e tranqüilidade, e com as famosas risadas histéricas, alternadas com crises agudas de tristeza, o Rei de Copas, como sempre, foi cativando aos poucos seu fiel público.
Na primeira fila, sentada exatamente no mesmo lugar, estava a bela escultora de cabelos negros e brilhantes com quem o ator sempre quis conversar, mas jamais conseguira. Logo ao lado da artista estava uma mulher de olhar distante, seus traços transmitiam uma imensa fragilidade, dava a impressão de ser a mãe de todas as pessoas do mundo. Uma das cadeiras estava vazia, era muito estranho haver um lugar sobrando na primeira fila de tão grandioso espetáculo, mas estava lá, um imenso vazio. As demais poltronas do lugar estavam todas ocupadas por pessoas bem vestidas, mas que não possuíam face, o ator não se importava com tal detalhe, desde que ouvisse o som confortante dos aplausos, com os quais estava tão acostumado.
O Rei de Copas condenou outro camponês à forca e esboçou seu último sorriso de satisfação, e, após um breve silêncio, o público rompeu
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