Um homem enforcado diz para eu não me preocupar. Enquanto engole sapos, uma senhora pede para que não me conforme. Uma criança desacordada exige que me dedique mais. Uma mulher presa ao passado tenta me confortar dizendo que amanhã tudo estará mudado. Em uníssono, pessoas monocromáticas afirmam que ninguém é igual a ninguém. Um gato cinza aparece no meio da noite para lembrar que tenho apenas uma vida. Lá longe, uma singela lembrança para de tecer o futuro e me questiona sobre o presente. Minha sombra prova que não estou só, minha mente jura que sou são, meu coração promete que continuará apenas batendo daqui para frente. O vento me aconselha a seguir uma direção concreta. As imponentes montanhas dessa serra querem que eu não duvide dos meus passos. Esse chão empoeirado me alerta para os perigos da submissão. Já ficou escuro o dia de hoje, mas não parece ter passado tanto tempo assim... Como acreditar nos relógios se eles, mais cedo ou mais tarde, mentirão uns para os outros?
Órbitas de planetas, suas trajetórias. Orbitas que os pensamentos realizam, seus sentidos. Órbitas, cavidades do crânio onde se encontram os olhos, a visão, percepção do mundo
30 de dez. de 2010
25 de nov. de 2010
MUNDO VAGABUNDO
Siga mundo vagabundo! Vá em frente mesmo que atrás venha gente. Continue com esses dentes tortos, mastigando debilmente tudo que te dizem e fazem, distribuindo sorrisos horripilantes para os que te encaram. És vagabundo por obrigação, pois te constroem noite e dia sem reclamar, não precisas fazer nada, não te dão qualquer opção. Permaneça esperando que tentem te reinventar ou te destruir, existe gente capaz, acredite nas pessoas, mesmo que elas não acreditem em ti.
Para ti tudo é fácil mundo vagabundo, na verdade nem deverias existir, poderias ser apenas um conceito, uma reles nomenclatura, poderias significar muito menos. Vives vagando por aí feito um maltrapilho sem eira nem beira, recebendo culpas e glórias sem ter feito coisa alguma. Tu abrigas muitos debaixo dos teus paradigmas, e também exclui aqueles que não seguem teus caprichos. Entendas mundo vagabundo, és caótico e genial nas grandes cidades, limpo e reacionário nos campos, és complexo nas grandes mentes e entediante nas pequenas.
Devem ter te dado esse nome, mundo, por rimar com imundo, ou quem sabe profundo, oriundo... De onde? Tu não nasceste nem morreste, só está por aí, para aqueles que te querem e te precisam. Vais assistir a partida de todos sem dizer uma palavra, não tens a menor consideração pelos que te deixam. Tu não tens, como nós, uma vida para viver ou perder, e é por isso que não te invejo mundo, pois és apenas o cenário de nossas grandiosas vidas.
3 de mar. de 2010
OUTRO, EU
Já vou deixando claro que, dessa vez, não sou eu o escritor. Outro está escolhendo as palavras, distribuindo vírgulas, atirando pontos, semeando amizade entre as frases, assim elas concordam, apesar de suas gritantes diferenças. Fica bem melhor escrito, mais claro, reto e direto, algo que deve ser útil em alguma profissão. Não sou eu mesmo, decidi não ser, tive vontade de mudar e o fiz. Foi fácil, neguei um e outro valor, resisti aos ataques do ego e barrei a vontade de ser singular. Mente quem diz que é difícil abandonar-se, pois consegui em pouco tempo, bastaram algumas observações do meio social e uma dose de força de vontade.
Sempre quis vestir uma porção de coisas que via os outros vestindo. Agora visto tudo isso! Um dos meus desejos era poder criticar os enganadores, esses atores da vida real, e depois pagar para ver atores de verdade na telona, sem pensar na ironia do ato. Pois agora faço sem problemas! Era desconcertante ficar pensando, raciocinando, concluindo e nada fazendo. Passado! Hoje é só ação! Perdi tempo sustentando ideais e clamando por uma indubitável ética. Hoje apenas vivo! Me sinto bem assim, joguei para o alto minhas angústias, não me preocupo mais com problemas alheios: "O que é teu não é meu, o que é meu não foi tu que deu", essa é a máxima!
Promovi uma mudança tão boa que até o "eu" não uso mais. Sempre vi esse tal de "eu" com desconfiança, encarava ele como um receptáculo, onde estavam entalhados meus traços físicos e de personalidade. Vazio, esse recipiente foi jogado no mundo, despertando todo o tipo de reação e reagindo de acordo com sua capacidade de assimilação e adaptação. Assim se desenvolve esse "eu", e o meu, francamente, veio com sérios defeitos. Era difícil lidar com ele, parecia não compreender as mensagens, devia ser de um modelo muito antigo o maldito. Felizmente descobri como me livrar do "eu" sem maiores problemas. O único desconforto que sinto é o de não saber quem sou às vezes... Quando isso acontece, me concentro em ser outro, e pronto!
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26 de jan. de 2010
SANGRAR
Um vento gelado forma marolas em uma poça de sangue que colore de forma funesta uma gasta calçada. Um homem estivera sentado naquele local por alguns instantes, tempo suficiente para deixar seu rastro, sem saber que o fazia. Ele nem mesmo havia percebido que sangrava, só sentia uma dor incômoda, constante, da qual não conseguia se livrar. Sua tentativa de aplacar tal dor foi o que acabou levando-o até aquele lugar, pois decidiu caminhar um pouco, a fim de espairecer. Na verdade queria esquecer uma porção de coisas, mesmo sabendo que não atingiria tal objetivo, pelo menos não naquela mesma tarde, quem sabe nunca conseguiria tal façanha, era nisso que pensava, era por isso que sangrava.
É possível ver diversas gotículas vermelhas espalhadas pela ruela que conduz para fora do simpático parque da cidade. A rua estreita e repleta de volumosas árvores foi percorrida às pressas pelo homem ferido. Ele sentiu-se ameaçado pelas pessoas que viu andando no parque, podiam querer interrogá-lo, perguntar acerca de suas roupas desajeitadas e amassadas, ou da palidez do rosto. Concluiu que fora uma péssima idéia ter ido até lá, mesmo tendo visto os patos nadando tranquilamente no lago, ou os pássaros saindo furtivamente do interior de vistosos arbustos. Aquelas cenas simples e corriqueiras acalmaram seu espírito e até abrandaram levemente seu sofrimento, mas bastou ver novamente os inquisidores olhos do ser humano para que a dor aumentasse.
Uma moça de semblante triste observa, intrigada, algumas manchas vermelhas em sua camisa branca. Algumas horas atrás, o homem machucado discutiu com essa mulher, que agora vê o sangue dele impregnado em sua roupa. Ele sentiu uma punhalada quando a ouviu dizer que não era culpada pelo ferimento aberto em seu peito. O homem tinha certeza, não havia ferida alguma antes disso, tudo acontecera naquele instante. Ao perceber isso, o medo tomou conta, e ele saiu correndo, sem rumo, estava confuso, pois fugia do amor de sua vida. Sua amada permaneceu imóvel, com os braços suspensos no ar, como se ainda abraçasse aquele homem ferido que se distanciava.
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