24 de dez. de 2007

PARA CELSO

Você não acreditaria em tudo que está acontecendo! Desenvolvemos inúmeras formas de cura, conseguimos amenizar o sofrimento, não desistimos mesmo diante das piores doenças. Os toscos instrumentos médicos se tornaram máquinas potentes, dotadas de inquestionável precisão. Seus remédios foram e continuarão sendo aperfeiçoados. A chave para a criação da vida já se encontra em nossas mãos, já criamos animais, mas queremos criar semelhantes, iguais. Os homúnculos...
Tornou-se mais raro, mas ainda olhamos para o céu, contemplamos as estrelas, lembramos das constelações e dos signos do zodíaco. Hoje é possível chegar até as estrelas! Construímos naves capazes de nos levar através do cosmos, viagens espaciais, especiais. Tornamos-nos exploradores do universo, sabemos quais os elementos que compõem alguns planetas, cometas, e até mesmo descobrimos o tamanho real do sol! Sua astrologia, nossa astronomia.
Juventude eterna, apenas um remédio para todas as doenças, o leão mordendo o sol, o solvente universal, o espírito atingindo o estágio máximo da perfeição, sendo capaz de abandonar o corpo que o mantinha preso. Tudo muito bem pensado, escondido, envolto em mistério, códigos, segredos, divulgado em forma de símbolos. Seriam metáforas? Uma ciência fundada nas leis da física e da química? O que vocês faziam na realidade? Queria que estivesse aqui para presenciar onde fomos capazes de chegar apenas com as dúvidas que nos deixou.

Marcelo

http://pt.wikipedia.org/wiki/Paracelso

17 de dez. de 2007

PRINCÍPIO NO FIM

O vento morno de uma tarde de outono espalhava incontáveis folhas mortas pelo chão de uma pequena praça, formando verdadeiros tapetes naturais em tons de amarelo e marrom. Sobre as tapeçarias feitas com capricho pela natureza, um velho senhor caminhava. Apoiado em sua bengala, sem pressa alguma, aquela magra e frágil figura admirava o tapete sobre o qual transitava, com o máximo cuidado, conferindo extrema importância à obra de arte estendida sob seus pés.
Com um tímido sorriso de satisfação, o velho foi atravessando a praça, observando tudo que seus cansados olhos permitiam, ouvindo o farfalhar das folhas, sentindo a suave brisa tocar-lhe o rosto e as mãos. O velho homem se aproximava do final da trilha quando sentiu uma forte dor no peito, a bengala tombou, e ele não demorou a cair de joelhos numa expressão de dor, apertando o peito com as mãos. Lentamente o velho senhor deitou-se e começou a chorar, enquanto seu coração parava de bater. Poucos instantes depois o pranto cessou, não havia mais vida.
O vento começou a levar consigo seus finos e escassos cabelos até não sobrar um sequer, sua ressecada pele foi rejuvenescendo aos poucos e seu esquálido corpo foi encolhendo. Subitamente aquele ser miúdo se mexeu, os pequenos braços e pernas tremiam compulsivamente, as lágrimas voltaram aos olhos fechados e a pequena e delicada boca virgem se abriu para expulsar um sonoro e raivoso choro. Era um menino.

10 de dez. de 2007

O CORREDOR

Corra rapaz! E ele correu, sem olhar para os lados, não acreditava no destino. O caminho se faz ao caminhar, vive-se a vida correndo. Ele correu, passadas curtas e ágeis no início, ritmo cadenciado depois, pés cansados, e acostumados, alguns anos mais tarde. Sim, ele correu, pisou de leve o chão de vilarejos, atravessou cidades, venceu metrópoles. Deixou bebês para trás, contemplou brevemente a face incompleta das crianças, cumprimentou ofegante os homens, declarou-se rapidamente para as mulheres.
Assim como a ciência, ele correu, sentiu o vento esparramar seus cabelos, abandonou seus medos pelo caminho. Nunca refletiu, sempre lembrou de seguir adiante, afinal, o fim aguardava, imóvel, sua chegada. Ele correu, aprendeu o significado da determinação, adquiriu resistência e sabedoria. Admirou a capa de incontáveis livros, leu as primeiras páginas de alguns, não terminou sequer um, preferiu distribuí-los a jovens universitários.
Não parou para ver o tempo passar, ele correu contra o tempo. Seu relógio subitamente parou, a bússola jamais funcionou, faltava-lhe o norte. Ele correu, para que serviam as pernas se não para correr? Qual a sina do corpo se não se deteriorar? Munido de lógica e impulsividade ele correu, seguiu a ordem, correu os riscos, sobre os riscos amarelos da estrada. Quando menos esperava, sentiu um forte cansaço, não conseguiu mais, finalmente parou, e nesse exato instante ouviu: Volta rapaz! E ele morreu, sem olhar para trás.